quarta-feira, 14 de abril de 2021

O AJUSTE DE CONTAS NO BRASIL PÓS-PANDEMIA: PRECISAREMOS FAZER NOSSA NUREMBERG!

A essa altura do campeonato, CPI da pandemia é pouco.
A essa altura do campeonato, impeachment é pouco.
A essa altura do campeonato, renúncia é pouco.

Tudo isso é paliativo de uma obrigação moral maior.

O tempo pra isso passou e era até meados do ano passado, quando Bolsonaro demitiu Mandetta, forçou a demissão de Teich, lutou contra as medidas preventivas e restritivas e deixou por meses a pasta da Saúde sem um titular durante uma pandemia.
O tempo para isso foi quando o Brasil foi o único caso no mundo a ter um “pico” constante de mil mortes durante 4 meses.

O que agora acontece no Brasil não se limita mais a erros políticos ou erros de responsabilidade fiscal. Não falo de Fiat Elba, nem das pedaladas fiscais. Tudo isso é pequeno perto da maldade contra um país. É caso de “ponerologia” – nome talvez desconhecido pra muitos de vocês. Significa psicopatia política; o uso político sistemático do mal para fins de controle; o que ocorre de errado não é por erro, mas por estratégia.

Após o fim do governo Bolsonaro, se o Brasil possuir o mínimo de civilidade ocidental, ele deveria ir direto para o banco dos réus de um Tribunal Extraordinário. Não somente ele, mas todos seus cúmplices.



Sim, cúmplices! Nisso incluo empresários apoiadores como *** e donos/executivos de emissoras de rádio e tv e seus diretores de jornalismo, que após seus veículos de imprensa começaram a receber generosas verbas estatais de propaganda, adotaram uma linha editorial que defende o indefensável. Estou me referindo ao negacionismo ilustrado em várias formas e vários graus com roupagem de jornalismo.

Seus agentes de propaganda que fizeram militância da morte em seus microfones e, com isso, empurraram milhares de pessoas para a morte, tais como Caio Coppolla, R. Constantino, G. Fiuza, A. Garcia, Renata Barreto, Ana P. Henkel, etc, também devem constar.

Será que o "engasgamento matou mais que a covid-19 ano passado"? Essa é clássica, e vocês sabem a qual desses jornalistas/comentaristas me refiro. Uma outra pessoa daí falando que lockdown não funciona. Um outro colocando em dúvida o uso de máscaras. E quase todos usando artigos científicos, rechaçados por pares de quem os publicaram. Mas, acima de tudo, pelo que vemos os progressos na Coreia do Sul, Japão, EUA e Israel. A boa ciência se impõe.

Foram escolhas que estes atores fizeram durante todo o período da pandemia. Escolhas conscientes, pois burros eles não são.

Esse ajuste de contas tem seu exemplo máximo expresso no Tribunal de Nuremberg (foto) que funcionou de 20 de novembro de 1945 a 1º de outubro de 1946. Esse tribunal foi montado imediatamente após o fim da II Guerra por forças internacionais para julgar crimes de nazistas.

Temos um exemplo recente e de um vizinho. Com a redemocratização da Argentina (1983), Jorge Rafael Videla foi para o banco dos réus. Ele e seus cúmplices. Em 1985 veio a condenação à prisão perpétua por crimes contra a humanidade. Isso é outro exemplo de ajuste de contas.

Infelizmente isso não houve contra Lênin, Stálin, dinastia dos Kim’s da Coreia do Norte, Mao Tsé-Tung, F. Franco, Guevara, F. Castro. Esses sacripantas escaparam de um tribunal.

O fascista B. Mussolini e o comunista N. Ceausescu nem foram para os tribunais – o povo italiano e romeno, respectivamente, os mataram, e em praça pública. Não é esse o caminho para o Brasil, pois tais, de fato, eram ditadores.

E o que aconteceu na ingerência federal do Brasil no combate à pandemia foi um crime contra um povo, contra uma nação. Além dos itens já mencionados, por último, temos o boicote à vacina. Desde agosto, mais de 160 milhões de doses da Pfizer e Coronav foram oferecidas ao governo que relutou em comprar.

Brasil é “Top 2” mundial em vacinação, pelo número de vacinados, capilaridade do sistema de saúde e velocidade de imunização. Tradição essa consolidada nas últimas 4 décadas. Milhões de doses seriam aplicadas desde dezembro, poupando vidas, choros e despedidas inesperadas.

E nosso histórico combate às pandemias, epidemias e endemias? Controlamos uma peste negra no início do século XX (que teve influência na fundação do Butantan), uma gripe espanhola em 1918-19, febre amarela, malária, sarampo, paralisia infantil, etc.

Chegamos até mesmo a erradicar a dengue nos anos 1950, sendo nós um país miserável, subdesenvolvido, de terceiro mundo. E muito mais miserável que hoje e mesmo assim sempre fomos referência mundial – talvez a única coisa que funcione nesse país. Ou, funcionava.

O que coloca em risco esse ajuste de contas é o revanchismo ideológico, principalmente do PT e seus partidos satélites (como PSOL e PCdoB), movidos pelo ódio de um processo da operação Lava-Jato, do legítimo de impeachment de 2016 contra Dilma, das derrotas da agenda reformista (trabalhista e previdenciária), da prisão do Lula e das derrotas eleitorais das últimas três eleições, em especial da de 2018.

Lula e seus aliados (mas pode ser qualquer ator político com discurso de revanche) caso vençam a eleição de 2022 ou 2026, misturarão tudo isso com a sabotagem sistemática do Bolsonaro e seus aliados no combate à pandemia. Não coloco como hipótese, mas como certeza, pois os pronunciamentos não mudam em nada à narrativa/retórica adotada e potencializada desde 2016.

E esse bonde da história não podemos perder.

Essa indignação geral que hoje se forma e une o Brasil em torno de uma justiça pelos seus mortos – muitas dessas dezenas de milhares de mortes, evitáveis – não pode ser pervertida para fins políticos, tornando-se um tribunal revolucionário. Esse é o risco. Se tiver esse desvio, essa busca pela justiça perderá força e legitimidade.

Morreu gente pobre e rica; de direita e de esquerda; quem votou 13 e quem votou 17; do crente ao ateu; do pastor ao babalorixá; de jovens a idosos; do analfabeto ao acadêmico; do sulista do IDH alto ao nortista caboclo – e ambos morreram sem oxigênio, e sem vacina. A morte foi indistinta.

Falo por Manaus, minha cidade. Entre dezembro e início de janeiro, enviamos ao Ministério da Saúde uma comunicação de urgência que faltaria oxigênio e o governo federal de forma patética nos deu cloroquina. A partir do dia 14 e nas três semanas seguintes de janeiro/fevereiro, o Brasil e o mundo assistiam horrorizados as cenas de Manaus.

Esse ajuste de contas deve servir pra unir o país e conscientizar aqueles “poucos” (que se tratando do Brasil são “muitos milhões”) que ainda relutam em acreditar no que acontece.

Que o Brasil tenha sua “Nuremberg” com espírito da Corte Penal Internacional de Haia. Moralmente é essa minha expectativa. Talvez eu esteja esperando demais do Brasil e do brasileiro comum. Não sei se terá e, se tiver, como será. Mas até o desfecho descanso, pela fé, nessas palavras: “Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; (...) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos (...)” (Mateus 5:4,6).
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Por José Andrews, historiador e professor.
Instagram: @joseandrewsreal // Twitter: @eujoseandrews


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*Quando escrevi esse texto em minha página no Facebook, no dia 30/03/21, o Brasil tinha 317 mil mortos por covid-19 em números oficias; hoje, dia 14/04, são 358 mil.